Eu armário de mim
Letícia Parente
Eu armário de mim
Letícia Parente
texto por Laura Erber
mulher rente às coisas
uma mulher rente às coisas pergunta sobre os modos de existir. o corpo, o nome, a casa, espessura na qual na qual o sujeito é inscrito e cotidianamente modelado.
na pequena fratura de um gesto cotidiano uma mulher rente à si mesma questiona a topografia da vida rente às coisas e seus usos. a casa, a dobra, os pronomes. espaços de guardar são igualmente lugares para se perder. eu entulho de mim mesma. eu resto. eu mobília. eu objeto de mim.
eu e minha família como se fossemos uma frase sem verbos no interior de um armário. excesso de mim.
o mundo deve ser medido a olho?
viver a vida, ser alguém, ter onde ir, o que isso significa?
que tipo de sentido se pode inferir da forma de um nariz, da distância entre os olhos?
aqui as respostas são gestadas na circularidade cognitiva, no convite à autoconsciência dos parâmetros. uma auto poética que investiga nossos parâmetros reguladores. conhecer o conhecer. uma casa também é uma palavra à espera de sentido. uma mulher. todo nome é impróprio.
nos trabalhos aqui expostos há experiências compactas e de uma secura corajosa, a casa é o laboratório, o espaço doméstico é indomável, seus vídeos e ações são desprovidas de promessas, não há ilusões, nem sequer a ilusão de não haver ilusão, papéis xerocados, desenhos, o conjunto expõe o modo pelo qual nossa experiência de nós mesmos no mundo .
o humor prosaico mas implacável, espécie de suor frio, de alguém que se objetifica para melhor mostrar o jogo de forças de que se constitui essa subjetividade.
armário de mim é um dos modos de estar fora de si. Criar métodos de auto-observação nos quais o observador observa a própria observação. Há algo de fenomenológico e muito de político nesse gesto.
expressar as próprias capacidades perceptivas ao rés da intuição conceitual. onde nascem as medidas. uma mulher medieval rente à língua disseque “não possuímos coisa alguma na terra além do poder de falar EU.” O poder de falar eu aqui é o poder de se perder em si.
quando a linguagem que é fenômeno do corpo é igualmente uma modalidade de gesto. não por acaso a presença da linguagem-reza nos remete exatamente à sensação de que a voz é um gesto corporal.
ainda que tudo seja breve, há por trás de cada trabalho uma paciência holística, uma precisão, mas nunca esnobe, um modo de fazer com que a vida se mostre em desacerto, se desacomode de suas próprias medidas, e que os espaços mais familiares sejam também os mais difíceis de acessar. ainda que isso dure um longo minuto apenas.